Cuba Libre

Blog de Viagem por Paulo Rego Cajade

“Mi mojito en la Bodeguita y mi daiquiri en el Floridita”, a famosa frase do escritor americano Ernest Hemingway (1899-1961), continua emoldurada num pequeno quadro e exibida acima do balcão principal do bar La Bodeguita del Medio.

Hemingway viveu em Cuba nas décadas de 40 e 50 e diz a lenda, foi o responsável pela popularização mundial do Mojito, que adorava degustar na Bodeguita.

Frequentado por turistas do mundo inteiro, La Bodeguita vai completar 77 anos em Abril deste ano. Transformada num dos principais cartões postais de Cuba, a franquia La Bodeguita já está presente em 15 países diferentes (Estados Unidos, México, Colômbia, Costa Rica, Venezuela, Argentina, Itália, Alemanha, Reino Unido, Hungria, República Checa, Macedônia, Líbano, Austrália e Espanha) e em outras 3 cidades cubanas (Varadero, Trinidad e Santiago de Cuba).

História

No video a seguir faço um rápido tour em Habana Vieja, caminhando desde Plaza de Armas até La Bodeguita del Medio. Vale a pena assistir para conhecer um pouco das ruas do bairro histórico de Havana.

Tour a pé por Habana Vieja até La Bodeguita del Medio

Quem passa hoje na frente da Bodeguita, sempre lotada de turistas bebendo Mojito de pé junto ao balcão e ouvindo músicos locais tocando alguma rumba clássica num espaço apertado, não imagina como foi a discreta origem deste folclórico local da boemia de Havana.

O número 207 da Calle Empedrado, rua de pedras que fica a poucos metros da Plaza de La Catedral, dentro da Habana Vieja, abrigava em 1942 o modesto comércio e pequena bodega chamada “La Complaciente”.

Angel Martínez, empreendedor cubano, compra o estabelecimento em 1942 e muda o seu nome para “La Casa Martínez”, transformando num local de venda de bebidas, alimentos e pequenas refeições cubanas para os trabalhadores do bairro.

La Casa Martínez na década de 40

Em 1946, Félix “Felito” Ayón, escritor e diretor de uma editora, instalou uma gráfica ao lado do comércio de Martínez e se tornou um dos clientes mais assíduos de “La Casa Martínez”, levando seus amigos para almoçar na pequena bodega.

La Casa Martínez – 1947

Em 1949, a cozinheira Silvia Torres, conhecida como “la china”, começou a preparar autêntica comida cubana. Rapidamente “La Casa Martínez” se converteu num agitado centro cultural de Havana, atraindo escritores, coreógrafos, músicos e jornalistas.

Felito não tinha telefone na sua gráfica e sempre recebia os seus recados através da linha telefônica de Angél Martínez. Os encontros de Felito sempre eram marcados “en la bodeguita del medio de la cuadra”.

Nascia assim, em 26 de Abril de 1950, impulsionado por Felito e com aprovação de Martínez, o nome do novo lugar que tornaria Cuba mundialmente famosa nas próximas décadas.


Famoso Trio Matamoros em La Bodeguita junto a Angel Martínez.

A partir dos anos 50, La Bodeguita atraiu intelectuais, artistas e políticos do mundo inteiro. Por lá passaram centenas de celebridades como Mario Benedetti, Pablo Neruda, Errol Flyn, Nicolás Guillén, Pablo Milanés, Silvio Rodríguez, Salvador Allende, Wifredo Lam, Gabriel García Márquez, Alejo Carpentier, Agustín Lara e Brigitte Bardot. Até as estrelas premiadas com o Grammy, Rihanna e Beyoncé, já passaram pela Bodeguita.


Bailarina Alicia Alonso, pintor Wilfredo Lam e atriz Raquel Revuelta na década de 50

Em homenagem a todas estas personalidades, La Bodeguita preserva 2 mesas reservadas de maneira simbólica para o poeta cubano Nicolás Guillén (1902-1989) e para o músico americano Nat King Cole (1919-1965), que visitou Cuba em 3 diferentes ocasiões para apresentações musicais no famoso Cabaret Tropicana. Na sua segunda visita a Cuba, em Fevereiro de 1957, Nat King Cole visitou La Bodeguita.

Mesas utilizadas por Nat King Cole e Nicolás Guillén

O poeta cubano Nicolás Guillén imortalizou La Bodeguita com o poema em sua homenagem:

“La Bodeguita es ya la bodegona,
que en triunfo al aire su estandarte agita,
más sea bodegona o bodeguita
La Habana de ella con razón blasona
Hartase bien allí quien bien abona
Plata, guano, parné, pastora, guita,
Mas si no tiene un kilo y de hambre grita
No faltara cuidado a su persona.
La copa en alto, mientras Puebla entona
Su canción, y Martínez precipita
Marejadas de añejo, de otra zona
Brindo porque la historia se repita,
Y porque es ya la bodegona
Nunca deje de ser La bodeguita”.

Nicolás Guillén fotografado por Henri Cartier-Bresson em Cuba, 1963
Nicolás Guillén en La Bodeguita

Nat King Cole imortalizou Cuba nas gravações das músicas “I´ll see you in Cuba” e “Quizas, Quizas, Quizas“.

As paredes do restaurante e do bar estão repletas de assinaturas e fotografias de todos que já passaram pela Bodeguita. Esta tradição foi iniciada pelo jornalista cubano, Leandro Garcia, que desde então, transformou o estabelecimento num local que preserva maravilhosas memórias coletivas que compõe parte da história de Havana.

Dizem que existem mais de 2 milhões de assinaturas em todas as paredes dos 3 andares da Bodeguita. No entanto, depois de 1959, o estabelecimento foi fechado durante um período, as paredes pintadas e muitas assinaturas originais foram apagadas para sempre. Por incrível que pareça, graças ao incentivo de Salvador Allende, que mais tarde seria presidente do Chile, o local foi reaberto, algumas assinaturas famosas foram refeitas, fotografias recuperadas ou doadas e a frase que Allende escreveu nas paredes entrou para a história: “Viva Cuba libre, Chile espera. 28 junio 1961”.

Ao longo dos seus 76 anos de vida, La Bodeguita se tornou o lugar ideal para escutar música típica cubana, saborear pratos tradicionais, desfrutar de um autêntico Habano e degustar o melhor Mojito do Caribe.

Mas voltando ao início deste post, sobre a celebre frase de Hemingway, a lenda urbana continua reforçando a ideia que o escritor americano era assíduo frequentador da Bodeguita. Matéria do jornal “El Nuevo Herald” traz depoimento de Angel Martínez, afirmando que Hemingway não era cliente do seu estabelecimento.

Hemingway me procurou para pedir ajuda, para encontrar uma marca de whisky preferida de Errol Flyn que eu importava desde os Estados Unidos. Em seguida fiz uma visita de cortesia e depois nos encontramos algumas vezes, mas não, ele não frequentava La Bodeguita.” Na mesma matéria para “El Nuevo Herald”, Félix “Felito” Ayón também confirma a versão de Angel Martínez.

Mas independente de qual seja a verdadeira história sobre a relação de Hemingway com La Bodeguita, o melhor a fazer será concordar com a mensagem divulgada no clássico filme “Quem matou o facínora”, de John Ford. O personagem feito por Edmond O´brien, um jornalista, fala a célebre frase que norteou a carreira de Ford no cinema: “Quando a lenda é mais interessante do que a realidade, imprima-se a lenda”.

Em 2016 a revista Vogue publicou um belissimo ensaio fotográfico da neta de Hemingway quando ela esteve em Cuba em 1978. Margaux Hemingway (1954 – 1996) aproveitou para visitar La Bodeguita del Medio e ser fotografada com o proprietário original, Angel Martínez.


Margaux Hemingway e Angel Martínez, 1978 

Testemunha de todas as transformações sociais, políticas e econômicas de Cuba desde 1946, La Bodeguita virou um grande símbolo da integração de todos os povos e culturas, que aprenderam a vivenciar e saborear a alegria cubana.

Na galeria de fotos a seguir temos imagens de La Bodeguita del Medio em 13 países diferentes.

Mojito, Cuba Libre & Rum

Mas o permanente sucesso da Bodeguita durante todas estas décadas só foi possível graças ao principal item do seu cardápio.

O Mojito nasceu em Cuba e se tornou um símbolo da ilha caribenha, estando presente em bares de todos os continentes do planeta.

Como fazer um Mojito

A origem da clássica bebida remonta ao século XVI, quando era conhecida como “El Draque”, em homenagem ao pirata inglês e comerciante de escravos Francis Drake.

História de Francis Drake

No início o Mojito era feito com “tafia”, um primitivo antecessor do Rum. Bebida que era tomada pelos marinheiros para combater o escorbuto e que misturavam com suco de limão, água e especiarias para “disfarçar” o seu sabor ruim.

Durante o século XIX a elaboração da “tafia” é melhorada com a utilização de alambiques de cobre e o processo de envelhecimento permite revelar o Rum na forma que conhecemos atualmente.

O nome Mojito vem de “mojo”, uma mistura cubana feita com lima e outros condimentos, usada para realçar pratos de comida. Por também ter lima como ingrediente, a bebida se pedia “com um pouco de mojo”, quer dizer “mojito”.

A partir da década de 40 a bebida se popularizou entre os turistas que visitavam Cuba e a lenda de Hemingway lançou o Mojito para o resto do Planeta.

Cuba Libre também foi outra bebida criada em Cuba em 1898 que se tornou um símbolo da ilha caribenha em todas as partes do mundo. A bebida atingiu o pico de popularidade global na década de 40, quando as irmãs Andrews transformaram a música “Rum and Coca-cola” um gigantesco Hit nos EUA em 1945, permanecendo por mais de 10 semanas no Top Parade da Billboard.

Rum and Coca Cola

Ano passado, durante o Congreso e Campeonato Panamericano de Coctelería 2018, Cuba bateu o recorde mundial ao criar a maior Cuba Libre da história com 500 litros.

O grande segredo do Mojito ou da Cuba Libre vem do seu principal ingrediente que também nasceu em Cuba. O Rum cubano se tornou uma referência de qualidade e matéria prima para diversas bebidas e coquetéis que conquistaram o paladar de pessoas de todas as culturas em todos os continentes.

Em 1493, na sua segunda viagem a América, Cristovão Colombo levou para Cuba raízes de cana de açúcar que estava trazendo das ilhas Canárias. As plantações de cana de açucar foram cultivadas pelos escravos africanos e a partir da melhoria do processo de fermentação e destilação do melaço da cana de açúcar, nascia o Rum cubano.

Bacardi, a marca mais famosa de Rum e a maior empresa privada de bebidas do mundo, tem sua origem em Santiago de Cuba, quando Facundo Bacardi imigrou da Espanha para Cuba aos 16 anos em 1830.

O video a seguir mostra o longo e impressionante processo de fabricação do famoso Rum Havana Club, que leva 3 anos para ficar pronto antes de ser engarrafado e comercializado.

Processo de fabricação Havana Club

A disputa judicial pelo direito de uso da marca Havana Club entre o governo cubano e a empresa Bacardi vem se arrastando a mais de 20 anos. Por enquando somente a empresa Bacardi tem o direito de comercializar a marca Havana Club dentro dos EUA. Devido a esta disputa judicial e ao embargo do governo americano ao regime comunista, o Rum cubano Havana Club continua fora do território americano mas está sendo vendido para mais de 120 países.

Bacardi Vs. Havana Club

A reportagem a seguir mostra o grande crescimento das vendas de Rum cubano e os planos de expansão internacional até 2030.

Plano de vendas de Rum cubano até 2030

Música Vital

Para concluir este post não existe melhor forma que exibir o clip “Musica Vital”, que reuniu em dezembro de 2017 quatro cantores muito conhecidos de Cuba: Buena Fe, Omara Portuondo e Yomil y El Dany. Todos que visitam Cuba sabem que não existe em nenhum lugar do mundo um Mojito ou um Rum igual ao feito na ilha caribenha. Melhor ainda se degustado em La Bodeguita del Medio.

Como diz o refrão desta música, nada se compara a Cuba…

Como tú no hay dos, Cuba/ Como tú no hay dos, Cuba/ Como mi gente no hay dos. / Como mi barrio no hay dos, / Como el malecón no hay dos/ Como Santiago no hay dos/ Como La Habana no hay dos. /Te lo digo yo/ Te lo digo yo/ Te lo digo yo.

Como mi fiesta no hay dos/ Como mi noche no hay dos. / Como tú no hay dos, Cuba/ Como tú no hay dos, Cuba/ Como mi gente no hay dos. / Como mi barrio no hay dos, / Como el malecón no hay dos/ Como Santiago no hay dos/ Como La Habana no hay dos. / Te lo digo yo/Te lo digo yo/ Te lo digo yo/ Como mi fiesta no hay dos/ Como mi noche no hay dos.

Musica Vital

No próximo post vou mostrar a imponente obra e história do Capitólio Nacional de Havana.

4 comentários sobre “La Bodeguita del Medio

  1. Avatar de Camila Camila disse:

    Com tanta foto e informação bacana a vontade de conhecer Cuba só aumenta !

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    1. Não vão se arrepender. O país é maravilhoso.

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  2. Avatar de Carla Carla disse:

    Paulo, viajei com suas histórias. Além da vontade de conhecer o país, amei suas descrições.
    Parabéns, meu querido e obrigada por compartilhar um pouquinho da sua vida.
    Quem sabe um dia não nos encontremos com nossas famílias no La Bodeguita?
    Beijos

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    1. Carla, fico feliz que está gostando do blog. Você vai amar conhecer Cuba e principalmente vai se encantar com a solidariedade do povo cubano.

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